Luxo, motivação e uma fintech no alvo: PF e Receita miram Robson Gimenes, da Shield Bank, por suposta fraude de R$ 451 milhões
Operação Obsidiana investiga esquema que teria lesado 496 contribuintes em 21 estados. PF aponta Shield Bank como rota financeira; defesa nega irregularidades.

Uma ofensiva conjunta de Receita Federal e Polícia Federal (PF) ganhou as manchetes nesta quinta-feira (24) com a Operação Obsidiana, destinada a desarticular um circuito de falsa consultoria tributária que, segundo as autoridades, espalhou golpes pelo país. Em números, a dimensão impressiona: 496 contribuintes teriam sido prejudicados; os valores indevidamente compensados somariam R$ 451 milhões; e o rastro alcançaria 173 cidades em 21 estados. As equipes de investigação falam ainda em cerca de R$ 650 milhões de movimentação financeira relacionada ao caso, distribuída por 475 Pedidos Eletrônicos de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declarações de Compensação (PER/DCOMPs) encaminhados ao Fisco.
No epicentro da apuração aparece o empresário Robson Gimenes Pontes, CEO da Shield Bank, fintech citada nos autos como principal rota de circulação dos recursos suspeitos. Mandados de busca e apreensão foram cumpridos em São Paulo, Arujá, Bragança Paulista e Guaratinguetá, e resultaram, entre outros itens, na apreensão de R$ 240 mil em espécie na casa do executivo. Robson Gimenes não foi preso, mas tanto residências quanto empresas ligadas a ele foram vistoriadas por equipes da PF e da Receita com autorização judicial.
De acordo com os relatórios do inquérito, o certificado digital de uma empresa associada a Gimenes — a Hugel Satz — foi o que mais protocolou requerimentos de compensação considerados fraudulentos em órgãos públicos federais, em nome de empresas clientes da consultoria. A engenharia descrita pelos investigadores seguia um roteiro repetido: prospectar empresas com a promessa comercial de reduzir a carga de tributos federais; fechar contrato mediante honorários variáveis de 30% a 70% do suposto crédito; exigir do cliente a outorga de procuração eletrônica no e-CAC (o portal de atendimento da Receita); e, então, fazer interpostos (“laranjas”) preencherem e transmitirem Declarações de Compensação com dados fictícios que seriam processados como se representassem créditos legítimos.
O desfecho para as vítimas, segundo a Receita, surgia meses depois: a empresa era surpreendida com notificações de inscrição de débitos na Dívida Ativa da União por compensações sem lastro. Nesse momento, o prejuízo já estava configurado em três frentes: o valor pago pelos “serviços” da consultoria; o recolhimento dos tributos que não poderiam ter sido compensados; e os acréscimos legais de multas e juros. Há, além disso, o risco jurídico — em certas situações — de responder criminalmente por declarações transmitidas em nome da vítima. Para agravar, muitas vezes o único vínculo formal do contratante era com um laranja sem patrimônio, o que inviabilizava a reparação dos danos.
Nos documentos obtidos pela apuração, a PF descreve a existência de uma estrutura empresarial que orquestrava a prática. O grupo Oben Prime, apresentado como empresa de contabilidade, seria o braço comercial responsável por oferecer a consultoria e fechar os contratos com as companhias. Já a Shield Bank, a fintech de Robson Gimenes Pontes, aparece citada como canal por meio do qual parte dos valores transitava. O esquema, segundo a investigação, era lubrificado por uma rede de “laranjas” — pessoas físicas e jurídicas sem ativos relevantes — que assumiam formalmente parte dos atos, criando barreiras à responsabilização e dificultando a devolução de recursos quando a fraude era descoberta.
A PF afirma que, ao perceberem a aproximação de fiscalizações mais rigorosas, os integrantes do grupo aderiam ao parcelamento de tributos para tentar suspender ou arquivar procedimentos sob o argumento de se tratar exclusivamente de matéria tributária. Passado o momento crítico, a engrenagem retomaria o funcionamento em nova rodada de captação de clientes. Além do dinheiro, foram apreendidos relógios de luxo e bens de alto valor, elementos que somam ao quadro probatório que tenta dimensionar ganhos e patrimônio dos investigados.
Paralelamente ao avanço policial, Robson Gimenes cultivava, nas redes sociais, a imagem de executivo bem-sucedido: viagens de jatinho, jantares e lazer em locais caros, veículos de alto padrão, ternos feitos sob medida e relógios de grife. Ao mesmo tempo, concedia entrevistas sobre o mercado financeiro, divulgava maquininhas de cartão da própria empresa e proferia palestras recheadas de frases motivacionais — do tipo “acredite no seu potencial”, “invista em si mesmo”, “crescimento profissional depende de determinação”. Para os investigadores, essa narrativa pública de sucesso ajudava a validationar a atuação do grupo; para a defesa, trata-se apenas de uma estratégia de branding comum no setor.

Em nota oficial, a Shield Bank nega categoricamente participação em qualquer atividade irregular e sustenta que também foi vítima, por ter sido inadvertidamente relacionada ao caso. A fintech afirma que documentos da holding do seu controlador teriam sido usados indevidamente para práticas denunciadas pelas autoridades e diz que o empresário comunicou os órgãos competentes há mais de três anos ao identificar indícios de uso indevido de certificado digital. A empresa declara adotar padrões rígidos de compliance, pautados pela ética e pelo cumprimento da lei, e que coopera integralmente com o andamento da investigação, confiando que os fatos serão elucidados.
Do ponto de vista processual, o caso seguirá exigindo cruzamento minucioso de documentos, registros de e-CAC, trilhas de PER/DCOMPs e movimentações financeiras. A PF e a Receita pretendem confrontar fluxos de dinheiro com carimbos de transmissão digital, identidades de usuários e perfis de dispositivos usados para enviar as declarações. Em paralelo, deverão mapear a atuação de Hugel Satz e Oben Prime, dimensionando papéis e benefícios, e verificar a origem dos recursos vinculados a apreensões e bens.
Até a conclusão do inquérito, prevalece a presunção de inocência de todos os envolvidos. Resta, para as autoridades, responder a perguntas centrais: quem executava a fabricação de créditos? quem lucrava com a remuneração de 30% a 70% prometida aos “consultores”? quais contas serviam de estação de passagem para o dinheiro? E como as empresas lesadas poderão reparar os prejuízos diante de interpostas pessoas sem capacidade patrimonial? As respostas deverão surgir com a perícia e a análise de provas coletadas nesta fase da Operação Obsidiana.

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