RS fecha contrato de R$ 20 milhões sem licitação para laboratórios; TCE analisa representações
O governo do Rio Grande do Sul, sob a gestão do pré-presidenciável Eduardo Leite (PSD), tornou-se alvo de questionamentos no Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) após a Secretaria da Educação (Seduc-RS) firmar um contrato, sem licitação, de R$ 20 milhões para a compra de laboratórios móveis de Ciências da Natureza. A contratação, com vigência de 15 meses, foi publicada no Diário Oficial em 13 de dezembro de 2024 e tem como fornecedora a Autolabor Indústria e Comércio Ltda, empresa que, segundo a pasta, teria apresentado documento de exclusividade e atendido a todos os requisitos técnicos e pedagógicos definidos para a rede. De acordo com a Seduc, os laboratórios começaram a ser entregues às escolas em 2025, acompanhados de instalação, capacitação de professores, suporte pedagógico e assistência técnica ao longo de todo o contrato.
O caso chegou ao TCE-RS por meio de duas representações que pedem a nulidade do contrato. Para os autores, não se verificou a inviabilidade de competição, condição exigida pela Lei Federal nº 14.133/2021, em seu artigo 74, inciso I, para justificar a inexigibilidade. O eixo central da crítica sustenta que os kits adquiridos são compostos por itens de uso comum — microscópios, modelos anatômicos, vidrarias e acessórios — disponíveis em diversos fornecedores nacionais, inclusive com variação de marca e preço. Eles afirmam ainda que, conforme documentos encaminhados ao Tribunal, a justificativa da Seduc teria utilizado pesquisa feita no Google como um dos insumos, o que, no entendimento dos denunciantes, não seria suficiente para afastar a realização de procedimento licitatório.
O advogado Felipe Hollanda Coelho, responsável pelas peças apresentadas ao Tribunal, sintetiza a tese de que o objeto contratado corresponderia a um “laboratório móvel constituído por itens comuns dispostos em um carrinho com rodas” — uma descrição que, para a defesa dos denunciantes, reforça a necessidade de competição. Segundo ele, ao prescindir de uma disputa pública, o Estado poderia ter restringido a entrada de propostas com tecnologias mais modernas ou preços mais vantajosos, comprometendo a economicidade e potencialmente gerando prejuízo aos cofres públicos em um período de restrições orçamentárias.
Em nota oficial, a Seduc-RS nega qualquer irregularidade e afirma que a contratação seguiu critérios técnicos, pedagógicos e legais, observando a Lei 14.133/2021. A secretaria afirma que a Autolabor Indústria e Comércio Ltda foi a única entre as empresas analisadas a atender integralmente aos requisitos estabelecidos para escolas em tempo integral que oferecem anos finais do ensino fundamental e ensino médio. Entre os fundamentos apontados, a pasta cita a elaboração de um Estudo Técnico Preliminar, uma pesquisa de mercado, a emissão de parecer técnico-pedagógico por grupo de trabalho especializado e o planejamento orçamentário previsto no Plano Anual de Contratações e na Lei Orçamentária Anual de 2024. Além disso, a Seduc ressalta que o formato móvel dos laboratórios busca garantir acessibilidade, segurança, mobilidade e compatibilidade com a infraestrutura das escolas, inclusive em unidades com limitações físicas ou em processo de reconstrução.
As representações no TCE, por sua vez, defendem que a própria composição do kit — descrita como um conjunto de equipamentos usuais no ensino de ciências — afastaria a exclusividade. Os proponentes pedem que o Tribunal verifique, entre outros pontos, a robustez dos estudos, a pertinência da documentação de exclusividade, a coerência entre especificações técnicas e solução ofertada, e a compatibilidade dos preços com o mercado, uma vez que concorrência formal poderia ter revelado propostas alternativas.
Enquanto o TCE-RS avalia as representações e pode solicitar documentos e esclarecimentos, o governo estadual reafirma o compromisso com a transparência, a legalidade e a qualidade pedagógica. Segundo a Seduc, o objetivo é ampliar práticas experimentais de ciências nas escolas de tempo integral, assegurando uso efetivo dos equipamentos e formação continuada dos docentes. A controvérsia, no entanto, expõe uma disputa de interpretação sobre o alcance da inexigibilidade no contexto da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos e sobre o limite entre a exclusividade técnica e a possibilidade de competição em compras públicas de bens educacionais.
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